O parto é um evento natural, em que o corpo da mulher trabalha em conjunto com o bebê, sem intervenções de rotina para que o nascimento aconteça. Mas há situações em que uma assistência médica de urgência pode, sim, ser necessária — é o caso de uma hemorragia intraparto, quando a mãe passa por um sangramento muito intenso durante o parto - tanto um parto normal quanto uma cesárea.
Em abril deste ano, uma obstetra de 40 anos morreu durante nascimento de sua terceira filha, em Cáceres (MT), após uma hemorragia que não conseguiu ser controlada, mesmo com uma cirurgia de emergência para a retirada do útero. O caso foi noticiado pelo portal G1, embora as causas do sangramento e detalhes sobre as complicações na hora do parto não tenham sido divulgados.
Vale lembrar que a hemorragia no parto é a segunda maior causa de mortalidade materna no Brasil — atrás somente da pré-eclâmpsia e da hipertensão — e é considerada grave quando a paciente perde 1,5 litro de sangue ou mais.
Mas por que ela acontece?
De acordo com Mário Macoto Kondo, obstetra do Hospital e Maternidade Pro Matre Paulista, é natural que um fluxo de cerca de 700 ml de sangue passe pelas artérias uterinas na hora do parto. Mas a perda de um volume maior de sangue merece atenção da equipe médica.
Alguns fatores podem contribuir para que isso aconteça: trabalho de parto prolongado (ou seja, acima de 15 horas), período expulsivo prolongado, gravidez de múltiplos, bebê muito grande (com mais de 4 kg) e aumento do líquido amniótico. “Quando o trabalho de parto é muito prolongado, muitas vezes é necessário partir para a cesárea. Neste caso, pode acontecer atonia uterina, ou seja, falta de contração do útero”, esclarece o médico.
Além da duração, o tipo de parto também pode influenciar nas chances de ocorrer uma hemorragia. Em geral, a perda de sangue em cesáreas é duas vezes maior do que em partos normais. “Em cesáreas eletivas, também é possível que aconteça hemorragia devido à atonia uterina e, ainda, nas mesmas situações de risco que temos em parto normal, como cesárea de gemelar, com bebê muito grande ou quando há placenta acreta”, completa Kondo.
Essa última situação citada pelo especialista, do acretismo placentário, é uma condição que pode ocorrer tanto no parto normal quanto em cesarianas — sendo mais comum em pacientes com cesáreas anteriores —, caracterizada pela invasão anormal do tecido da placentário além da camada superficial interna do útero, fazendo com que a placenta fique grudada total ou parcialmente no útero. “Nessa situação, a paciente pode chegar a perder até 5 litros de sangue”, afirma Macoto.
Mário Burlacchini, ginecologista e obstetra do Fleury Medicina e Saúde, acrescenta que mães que já tiveram muitos filhos também correm maior risco de enfrentar uma grande perda de sangue ao darem à luz. “Isso porque o útero já passou por diversos processos de crescimento, devido às gestações”, explica.
Apesar de a hemorragia ser uma complicação grave, existem formas de se prevenir e de controlar o sangramento, segundo os especialistas ouvidos pela CRESCER. Entenda abaixo!
COMO REVERTER A HEMORRAGIA?
De acordo com Mário Macoto Kondo, a primeira medida a ser tomada após o nascimento do bebê é a aplicação de ocitocina, hormônio responsável pelas contrações uterinas, além da realização de massagem no útero. “Às vezes, é necessário colocar compressas ou até balões intrauterinos para tentar controlar o sangramento”, diz o obstetra.
Burlacchini acrescenta que, na maioria dos casos, a contração do útero ocasionada pela massagem já é capaz de controlar o sangramento. Mas às vezes a equipe médica precisa recorrer a outros recursos. “Se a paciente estiver sangrando muito, pode ser necessário fazer reposição de líquidos ou de sangue”, afirma o especialista. Por fim, ainda pode ser feito o uso de medicações para contrair o útero, por via intravenosa.
Em situações extremas, em que nenhum desses métodos apresenta resultados, existe a possibilidade de se partir para intervenções cirúrgicas. “Há casos em que é necessário dar ponto no útero ou até mesmo fazer a identificação dos vasos e ligá-los, para que eles parem de sangrar”, explica o ginecologista. Ocasiões em que é preciso remover o útero da mãe são ainda mais raras e só ocorrem quando nenhuma outra solução foi capaz de conter a perda de sangue
Como prevenir a complicação?
“O mais importante é que o parto seja assistido e que a paciente faça corretamente o pré-natal, para fazer o diagnóstico de algum possível fator de risco para a gestação”, reforça o médico do Fleury Medicina e Saúde. Ele ressalta, ainda, que uma hora após a saída da placenta é o momento em que ocorre a maior parte dos casos de hemorragia. “Esse é um período em que a paciente deve permanecer em observação, monitorada, justamente para que já sejam tomadas as medidas necessárias para reverter o quadro, caso a mulher apresente algum grau de sangramento”, diz Burlachinni
Cuidado extra no pós-parto
Depois de enfrentar uma hemorragia durante o nascimento do bebê, a paciente deve passar um tempo em observação no hospital e realizar exames de sangue, para verificar a necessidade de reposição de nutrientes. “O grande problema para as mães que apresentam sangramento na hora do parto é a anemia. Isso deve ser corrigido e a paciente pode precisar fazer reposição de ferro durante um período de até 3 meses”, explica Kondo.
Em razão da grande perda de sangue, é comum que, a princípio, as mães permaneçam internadas em unidades de terapia intensiva (UTI), até que sejam liberadas para o quarto e, posteriormente, que possam ir para a casa. “Por isso, é essencial estar em um local seguro e preparado para a hora do parto”, conclui o obstetra.