Em meio às celebrações religiosas da Semana Santa, uma tradição popular chama atenção e resiste ao tempo em várias regiões do Brasil: a Malhação do Judas. O costume, que ocorre geralmente no Sábado de Aleluia, envolve a confecção e o “castigo” simbólico de um boneco que representa Judas Iscariotes, o apóstolo que traiu Jesus Cristo.
Apesar de seu viés simbólico de punição ao traidor, a prática ganhou contornos mais amplos ao longo do tempo, misturando fé, crítica social e sátira política. Em diversas cidades brasileiras, o boneco de Judas passa a representar figuras públicas ou personagens que, segundo o olhar popular, “traíram” a confiança do povo durante o ano.
A malhação, que consiste em espancar, destruir e até explodir o boneco recheado de serragem, papel ou fogos de artifício, é acompanhada por encenações teatrais, músicas e textos que satirizam o personagem escolhido. Cartazes com frases irônicas e listas de “pecados” cometidos pelo Judas do ano são pendurados junto ao boneco, dando o tom de protesto e humor à manifestação.
“É uma forma do povo extravasar, brincar, mas também expressar sua indignação com figuras que representam decepções ou injustiças”, explica o historiador João Pedro Matos, especialista em cultura popular.
A tradição é especialmente forte em cidades do Nordeste, como em cidades do interior da Bahia, Pernambuco e Ceará, onde famílias e grupos de amigos se reúnem para confeccionar o Judas artesanalmente. Em algumas localidades, como em Salvador, o evento chega a reunir multidões em praça pública.
Já no Sudeste, municípios de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro mantêm viva a tradição em comunidades mais interioranas, onde o ritual também se integra às programações religiosas da Semana Santa.
Apesar da resistência cultural, em algumas cidades o costume já foi restringido ou repensado, especialmente por preocupações com a segurança pública (devido ao uso de explosivos) e por debates sobre violência simbólica. Ainda assim, a “malhação” segue viva, agora com mais diversidade de representações — incluindo bonecos que simbolizam problemas sociais ou figuras caricatas do cotidiano.