De acordo com o Ministério da Educação, cerca de 50 mil médicos foram formados por cursos de medicina mal avaliados, o que levanta preocupações sobre a qualidade da formação médica no país. O Exame Nacional de Proficiência em Medicina, que está em pauta no Congresso, busca avaliar se os médicos recém-formados estão aptos a atuar em todos os ambientes de saúde antes de conceder o registro profissional.
Esse cenário precário ocorre principalmente quando grande parte dos estudantes de medicina é inserida em contextos de formação inadequados, sem condições mínimas para um treinamento eficaz. Atualmente, cerca de 80% das faculdades de medicina estão localizadas em regiões com infraestrutura insuficiente.
Em entrevista ao Portal R10, a Dra. Yáscara Lages, integrante do Conselho Federal de Medicina (CFM) e 2ª secretária do Conselho Regional de Medicina do Piauí (CRM-PI), destacou o objetivo e o funcionamento do novo exame, explicando também em que ele se diferencia do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes).
"O exame de proficiência precisa ser aprovado. Nós estamos aguardando que o Congresso Nacional aprove o teste. Ele será um teste nos moldes da OAB, que vai avaliar os médicos formados para ver se eles têm capacidade de realmente exercer a medicina, se estão preparados. Ele é diferente do Enade, que é um exame para avaliar o desempenho acadêmico do estudante durante a formação. É até bem-vindo que o Enade seja implementado, porque ele vai avaliar esse desempenho acadêmico e também a qualidade dessas faculdades. Mas o teste de proficiência vai avaliar, de fato, a capacidade do recém-formado de exercer a medicina, para que tenhamos um filtro mínimo e mais segurança quanto aos atos médicos praticados por eles, tudo isso visando à qualidade da saúde que precisa ser entregue à população", relatou.
De acordo com estudos, a projeção para a próxima década indica que o Brasil ultrapassará a marca de 1,15 milhão de médicos, mantendo a persistente desigualdade na distribuição desses profissionais pelo território nacional. Essa evolução intensa se deve à ampliação de cursos e vagas de medicina. A Dra. Yáscara relata que a formação de médicos por cursos mal avaliados é um dos principais motivos que justificam a implementação desse exame.
"Imagine que, hoje, o Brasil é o país com o maior número de faculdades de medicina no mundo. Conseguimos ultrapassar a Índia, mesmo ela tendo uma população quatro vezes maior que a nossa. Então, é possível imaginar o volume de faculdades que foram abertas nos últimos anos. E vemos que muitas delas não têm sequer condições de treinar e formar adequadamente os alunos, estruturas completamente precárias, em cidades que, muitas vezes, nem sequer possuem um hospital. Isso é muito preocupante, e precisamos olhar para essa situação com mais responsabilidade, tanto nossos gestores quanto os políticos, em relação ao que tem sido feito com a medicina brasileira", informou.
Ela também acrescentou sobre qual o papel das universidades e faculdades de medicina nesse processo de avaliação. "Nós propusemos, dentro do projeto de lei, que esse teste seja realizado pelos conselhos regionais e o federal. Já o Enade é um exame voltado para a avaliação acadêmica, sendo de responsabilidade das universidades e faculdades, sob a coordenação do MEC, que fará a avaliação dessas instituições".
Ela revela que o exame não irá medir apenas o conhecimento teórico, mas também a competência prática e ética dos futuros médicos. "Essa prova, com certeza, vai avaliar não apenas a capacidade teórica, mas também a capacidade prática da melhor forma possível. Temos um grupo de estudos analisando qual é a melhor forma de aplicar esse teste, para que ele também consiga avaliar a parte ética".
Os desafios para a implantação efetiva e justa desse exame no Brasil vem causando dificuldades. "A primeira grande dificuldade é que, para que esse teste aconteça, precisamos de uma lei e esse projeto está tramitando no Congresso. Precisamos sensibilizar os políticos sobre a importância da segurança da população. Uma vez aprovado o teste, enfrentaremos as demais dificuldades. Não estamos querendo punir os alunos; na verdade, chegamos a esse ponto devido à irresponsabilidade de se autorizar a abertura de faculdades sem a devida qualificação".