Não sou fã de textão em rede social, mas hoje recebi, no grupo de minha família, esta foto de um artigo publicado no jornal Diário do Povo e não consegui resistir a tecer alguns comentários. Penso que calar diante desse tipo de discurso é omissão imperdoável, que contribui para a ressureição e naturalização de algumas ideias que, em pleno século XXI, o tempo já deveria ter se encarregado de varrer naturalmente de nossa cultura.
Trata-se de um texto misógino, sexista e machista em que o autor narra seu hábito de unir-se a amigos em mesa do Teresina Shopping (que eles denominam contemplatório) para observar belas mulheres com trajes “ousados”. Dessas contemplações surgem as reflexões do autor, que afirma no texto que "(...) as mulheres, especialmente mais jovens, perderam a noção de pudor, mais preocupadas com a violência masculina". Segundo o autor, "homens, em geral, não avançam na mulher pudorosa, reservada e decentemente ajuizada, que não expõe sua intimidade emocional e física". Os homens, ainda segundo o autor, por usarem bermudas que escondem as nádegas e coxas, “transmitem muito mais pudor que as mulheres de fios dentais, shortes cavados expondo protuberâncias vaginais”. Quando eu achava que a cota de absurdos já estava satisfeita, vem a assustadora conclusão: "Fechem delegacias da mulher, providenciem condutas de pudor feminino, vergonhas mais escondidas. Homens, comumente, só avançam se elas abrirem as pernas". E ele, então, arremata: "Elas precisam recuperar o pudor". O curioso é que, embora deseje mais pudor nas vestes femininas, continua toda sexta-feira (e hoje é dia), se reunindo aos amigos no tal “contemplatório” para se regozijar na observação das moças de trajes “ousados”.
O texto fala por si só e, em tese, nem desafia comentários. Homens não são, ou ao menos não deveriam ser, animais sanguinários que AVANÇAM (expressão do autor) em suas presas para devorá-las. Seres humanos não devem AVANÇAR em ninguém, e culpar a vítima mulher pelos abusos sexuais que sofre, sob o argumento de que o macho só avança “se elas abrirem as pernas” é naturalizar a cultura do estupro e tentar, torpemente, justificar o injustificável: a violência. Mulheres, homens, seres humanos em geral, vestem-se e devem-se vestir como bem entenderem. Se por um lado a forma de vestir pode dizer muito sobre a personalidade e a identidade de uma pessoa, ela diz absolutamente nada sobre seu caráter. Só existe uma palavra para descrever qualquer tentativa de julgar o caráter de alguém baseado em sua aparência: PRECONCEITO!
O mais assustador, no entanto, não é que um nostálgico senhor, saudoso de sua juventude e dos arcaicos valores do passado, se deixe levar pela melancolia dos tempos que não voltam e, repita-se, em pleno século XXI, não apenas pense esse tipo de coisa, mas chegue a colocá-lo por escrito. O que realmente assusta é que um meio de comunicação impresso dê vazão ao texto como se fora algo absolutamente natural e inofensivo e que as pessoas e instituições não reajam a isso. Assusta que coisa assim já não desperte, ao menos, repulsa nas sensibilidades do brasileiro médio.
Claro sinal dos tempos perigosos que vivemos em nosso país: com a onda reacionária ocupando cada vez mais espaços de poder e de fala, absurdos como “fechem as delegacias da mulher e providenciem pudor feminino” e “homens só avançam se elas abrirem as pernas” se tornam “dizíveis” (para usar a expressão de Foucault). Os monstros saem do armário e, eles sim, sem qualquer pudor, expõem às claras a obscenidade de seus preconceitos.
Lucas Villa
Advogado