Várias reportagens publicadas ontem (09) pelo site "The Intercept Brasil" mostram que o ex-juiz federal e hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, orientou as investigações da operação Lava Jato em Curitiba, a partir de mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram com o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa.
O site afirmou que recebeu de uma fonte anônima um grande volume de mensagens trocadas no aplicativo entre membros da Lava Jato e entre o procurador Dallagnol e Moro. O "The Intercept" foi fundado pelo jornalista norte-americano Glenn Greenwald, um dos autores da reportagem. Ele ficou conhecido mundialmente após ajudar o ex-analista de sistemas Edward Snowden a revelar informações secretas obtidas pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos
Nas conversas, ao longo de dois anos, Moro sugeriu que o procurador trocasse a ordem de fases da Lava Jato, para não ficar "muito tempo sem operação", deu conselhos e pistas informais de investigação e antecipou uma decisão que ele ainda não havia tornado pública. As mensagens também mostram que Moro criticou e sugeriu recursos ao Ministério Público.
O Ministério Público Federal do Paraná confirmou em nota que houve vazamento de mensagens de procuradores após um ataque hacker. Segundo o órgão, as mensagens não mostram nenhuma ilegalidade.
Em nota, o ministro Moro afirmou que as mensagens não revelam "qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado". O ministro também criticou o site por não o ter procurado antes da publicação da reportagem e disse que as conversas foram retiradas de contexto.
A constituição de 1988 determina que não haja vínculos entre o juiz e as partes em um processo judicial. Para que haja isenção, o juiz e a parte acusadora, neste caso, o Ministério Público não devem trocar informações nem atuar fora de audiências.
Desejo de "limpar o Congresso"
Em uma das mensagens, em 21 de fevereiro de 2016, Moro sugeriu a Dallagnol que fosse invertida a ordem de duas operações da Lava Jato. O procurador afirmou que haveria problemas logísticos para que isso acontecesse. No dia seguinte, ocorreu a 23ª fase da Lava Jato, a Operação Acarajé.
Em uma conversa de 27 de fevereiro, Moro teria perguntado a Dallagnol: "O que acha dessas notas malucas do diretório nacional do PT? Deveríamos rebater oficialmente? Ou pela Ajufe [Associação dos Juízes Federais do Brasil]?".
Em meio a manifestações de rua contra o governo da então presidente Dilma Rousseff, o então juiz declarou o desejo de "limpar o Congresso", depois de ser parabenizado pelo procurador devido "ao imenso apoio público".
"Fiz uma manifestação oficial. Parabéns a todos nós. Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o Congresso. O melhor seria o Congresso se auto limpar, mas isso não está no horizonte. Eu não sei se o STF [Supremo Tribunal Federal] tem força suficiente para processar e condenar tantos e tão poderosos", diz a mensagem.
Moro e Dallagnol discutiram vazar áudio de Dilma três dias depois, quando Dilma tentou nomear Lula para a Casa Civil, Moro divulgou uma conversa gravada entre os petistas. A estratégia de divulgação dos áudios foi discutida entre procurador e juiz. "A decisão de abrir está mantida, mesmo com a nomeação, confirma?", questionou Dallagnol. Moro rebateu, perguntando qual era a posição do Ministério Público Federal, ao que o coordenador da Lava Jato em Curitiba respondeu que era "abrir" e levar a público
Seis dias depois, com fortes críticas ao vazamento dos áudios, os dois ainda discutiam o assunto. Dallagnol defendeu a liberação dos grampos telefônicos e chamou a ação de "ato de defesa". "Não me arrependo do levantamento do sigilo. Era a melhor decisão. Mas a reação está ruim", escreveu Moro. Uma semana depois da conversa, o atual ministro veio a público pedir desculpas pela decisão.
Outro lado
Em nota, a força-tarefa da Lava Jato falou em "ataque criminoso" aos membros do MPF-PR e lembrou o ataque de hackers ao celular do ministro Sérgio Moro, na semana passada.
Segundo o documento, os procuradores "mantiveram, ao longo dos últimos cinco anos, discussões em grupos de mensagens, sobre diversos temas, alguns complexos, em paralelo a reuniões pessoais que lhes dão contexto".
Esses procuradores seriam amigos próximos e, "nesse ambiente, são comuns desabafos e brincadeiras". "Muitas conversas, sem o devido contexto, podem dar margem para interpretações equivocadas", disse a nota.