Passados quase dois meses dos maiores protestos que o Chile enfrentou desde o final de sua ditadura militar (1973-1990), o presidente Sebastian Pinera finalmente entregou a concessão final - a oferta de reescrever a constituição do país. É uma medida desesperada do presidente do Chile para satisfazer as demandas dos manifestantes e ganhar algum tempo; um plebiscito será realizado em abril de 2020 para determinar se os chilenos desejam uma nova constituição (quase 80% deles desejam) e quem serão os responsáveis pela elaboração dessa nova constituição.
Em um mundo cercado de todos os tipos de protestos nos dias de hoje - contra a corrupção, mudanças climáticas, igualdade de direitos, liberdades democráticas -, os ocorridos no Chile continuam se destacando tanto pela intensidade quanto como um sinal do que está por vir. O gatilho imediato a esses protestos foi um aumento de 4 centavos nas tarifas de metrô, mas a causa principal é a desigualdade generalizada.As autoridades não pensaram que um motivo tão "pequeno" em um dos países mais ricos e politicamente estáveis da América Latina provocaria tal tempestade; mas, quando Pinera cancelou o aumento da tarifa, já era tarde demais. Ele está tentando recuperar o atraso desde então.
Entre todos os países da OCDE, o Chile tem os mais altos níveis de desigualdade, oferecendo um vislumbre preocupante para o futuro, em que as linhas dessa tendência mostram as desigualdades em escala mundial, cada vez maiores. Quando se trata especificamente do Chile, a raiva do povo cresceu com os altos custos de assistência médica e medicamentos, baixas pensões, serviços públicos inacessíveis, um sistema educacional sem qualidade, etc., os tipos de problemas que a maioria das cidades do mundo poderá enfrentar.
Pinera já tentou aplacar os manifestantes, reorganizando seu gabinete, aumentando os benefícios sociais, aumentando os impostos sobre os maiores investidores do país, abandonando os planos de reforma tributária e cancelando dois eventos internacionais de alto custo que estavam programados para serem realizados no país, mas sem sucesso.
Nos protestos que ocorreram no Chile até agora, 24 pessoas morreram, mais de 2.000 foram feridas e 7.000 foram presas. Um testemunho de como os chilenos estão fartos da “política de sempre” é que não há líderes do movimento desse protesto com os quais o Presidente possa negociar diretamente para pôr fim às turbulências. Daí sua aposta na constituição, uma promessa ampla, ainda que um tanto vaga, de mudar as coisas para melhor.
Mas mesmo que a constituição do país seja reescrita com sucesso, não há garantia de que o Chile retorne ao que era antes. Muitos dos fatores que levaram os manifestantes às ruas se acumularam ao longo de gerações, e agora eles estão expostos. São problemas impossíveis de serem resolvidos com um simples toque de caneta e que precisam de anos de reformas econômicas e sociais.
Se o mundo não prestar atenção ao que está acontecendo no Chile, os erros cometidos em Santiago provavelmente serão repetidos em outros lugares.