Catástrofes são um tema recorrente no cinema, que de forma sádica observa personagens enfrentando todos os tipos de adversidades que podem brotar num planeta Terra que deu errado. Em seu novo filme, o ator-diretor George Clooney decidiu criar seu próprio apocalipse, mas não lamenta o que ficou para trás.
Em "O Céu da Meia-Noite", que chega agora à Netflix, seu personagem se despede dos poucos sobreviventes que ainda procuram uma região habitável na Terra, entra num bunker coberto de neve espessa e contempla o espaço, onde um grupo de astronautas está há dois anos, sem saber que o que chamava de lar já não existe mais.
É a quilômetros de distância da Terra que esse filme-catástrofe deposita as engrenagens de sua narrativa, sem perder muito tempo com a devastação que se apoderou do nosso planeta. Sabemos que as condições climáticas se desequilibraram e que a poluição atingiu níveis irreversíveis, tornando o ar irrespirável em várias regiões, mas Clooney deixa o resto para deduções não tão difíceis de se fazer.
Ambientado em 2049, "O Céu da Meia-Noite" segue uma receita de destruição ambiental ditada há anos por cientistas que alertam sobre os perigos da relação predatória que se estabeleceu entre o homem e o meio ambiente. Isso não é ficção científica -tem dito Clooney em entrevistas recentes-, é uma possibilidade real.
"Nós queríamos falar sobre o que o homem pode fazer com ele mesmo. Nós temos visto toda a raiva e o ódio despertando no mundo, a negação da ciência, e, se continuarmos assim por sei lá, 30 anos, não é inconcebível que a gente estrague tudo", ele disse, numa conversa com jornalistas, no início do mês.
Clooney dirige, produz e tem papel fundamental na trama enquanto ator, ao encarnar um cientista com uma doença terminal que, ao contrário dos poucos personagens à sua volta, desiste de lutar contra as forças da natureza. Augustine Lofthouse se conforma em passar seus últimos dias mergulhado em solidão, tentando avisar os tripulantes da nave Aether que seu retorno à Terra não é seguro.
Nela estão os personagens de Felicity Jones, David Oyelowo, Demián Bichir, Kyle Chandler e Tiffany Boone, nos últimos estágios de uma missão que queria encontrar vida num planeta habitável próximo. A alta tecnologia da nave e a harmonia entre eles escancaram que, se há esperança para a humanidade, ela talvez esteja a bordo.
"As pessoas que assistirem a esse filme vão se relacionar com ele de forma mais íntima, em questões que dizem respeito à família, por exemplo, mas também por meio de grandes temas, principalmente nessa reflexão que fazemos sobre o quão bem a humanidade está cuidando do planeta", diz Oyelowo por videoconferência.
Segundo o ator, o lançamento de "O Céu da Meia-Noite" em plena pandemia veio a calhar. As pessoas precisavam ser lembradas de sua própria fragilidade, de que o amanhã não é algo certo, acredita ele.
No filme, Oyelowo está prestes a ser pai. Ao lado dele, na nave que comanda, está a cientista vivida por Felicity Jones, grávida em pleno espaço sideral. Ela flutua em gravidade zero e transita entre os cenários futuristas sempre acompanhada do barrigão -o que não acontece no livro que deu origem ao longa, "Good Morning, Midnight", da americana Lily Brooks-Dalton.
Enquanto filmava "O Céu da Meia-Noite", Jones recebeu a notícia de que teria um bebê. Ela confessa que num primeiro momento entrou em pânico, achou que ia ter de deixar o projeto - do qual queria avidamente fazer parte- para lá. Mas Clooney a tranquilizou e começou a pensar em maneiras de apagar a barriga com computação gráfica ou truques de câmera.
Até que ele percebeu que aquele princípio de vida fazia todo sentido nos debates sobre esperança, preservação e solidão que queria levar para as telas. Juntos, ator-diretor e atriz decidiram mudar o roteiro e encaixar a gravidez na história.
"Fiquei muito contente quando o George me disse que ainda me queria no projeto, depois de termos um diálogo bem aberto sobre isso. Eu sou muito grata por tudo, porque foi um processo muito especial. E incorporar a gravidez, no fim, pareceu a coisa certa a fazer", diz Jones, agora mãe de um menino de oito meses.
Essa abertura e proximidade que o elenco construiu com o cineasta, dizem ela e Oyelowo, são raros. Talvez por Clooney ser, acima de tudo, também ator, o clima no set de filmagem se tornou de troca e colaboração, rompendo com as estruturas hierárquicas que em geral guiam a produção de um filme.
Em seus diálogos com o elenco, Clooney não só alterou a personagem de Jones, também para deixar a atriz mais confortável, como ouviu atentamente o que Oyelowo tinha a dizer sobre seu comandante espacial. No livro, ele se chama Harper. Na adaptação, recebeu o nome Adewole, de origem iorubá, depois de sugestão do ator.
"Eu conversei com o George sobre o fato de eu nunca ter visto um astronauta africano nos filmes e sobre como eu gostaria de ver minha cultura, minha herança, refletidas em 'O Céu da Meia-Noite'. E ele abraçou isso, o que, de forma muito sutil, enriqueceu o filme."
Por meio de pequenos detalhes como esses, diz a dupla de atores, o longa se tornou uma experiência ímpar de trabalho – e eles esperam, agora, que o público também enxergue "O Céu da Meia-Noite" como uma experiência cinematográfica diferente do que estão acostumados a ter com outros filmes espaciais.
Numa conversa com jornalistas, Clooney rotulou seu longa como o cruzamento entre "Gravidade" e "O Regresso", drama em que Leonardo DiCaprio precisa sobreviver às extenuantes forças de uma natureza imersa em neve e com climas baixíssimos.
Para essa segunda parte, ele e a pequena Caoilinn Springall -atriz-mirim que estreia em "O Céu da Meia-Noite" e interpreta uma criança deixada acidentalmente na base onde Clooney mora- foram à Islândia, onde gravaram em condições adversas cenas em que são engolidos por nevascas e mergulhados em água congelante.
São esses os momentos de ação do filme, embora sejam comedidos. Eles servem simplesmente como material de apoio para um objetivo mais cerebral, dizem Oyelowo e Jones.
Mesmo que elenco e diretor enfatizem que isso é o que distancia "O Céu da Meia-Noite" de outros filmes espaciais, mais aventurescos, nos últimos anos foram vários os longas que tomaram caminho semelhante –como "Gravidade", muito lembrado e também estrelado pelo próprio Clooney.
Diante do fato, Jones diz que a culpa disso é de Stanley Kubrick, que com seu "2001: Uma Odisseia no Espaço" fez com que muitos cineastas escolhessem os corpos celestes como cenário para explorar temas grandiosos, num casamento entre os mistérios do além-Terra e o que nos faz essencialmente humanos.